quarta-feira, 20 de outubro de 2010
Temporã
domingo, 29 de agosto de 2010
Do que é próprio da eternidade
E quem descobriu mais de uma dúzia desses? Quem os tem esparramados por outras cidades, outros cantos, diferentes formas, tamanhos, endereços, rostos, sorrisos? Quem tem mais, bem mais de um amigo desse tipo é o que? Um milionário? Um abençoado? Um feliz? Pela lógica, a resposta rápida e impensada diz retumbante: sim! Mas quem tem um monte desses é alguém dividido. Não consegue se dedicar com tudo de si a um deles, como faria se tivesse um só. As saudades de quem encontrou mais de um desses é um poço sem fim. Quem foi agraciado com uma dúzia desses precisava do dom de bilocar, de trilocar, de se dividir em quantos amigos assim haja, para estar mais e mais com eles. Ou tinha de ser milionário de dinheiro mesmo. Para estar com todos um pouco de cada vez e tirar deles o que há de melhor, se dando também. Eu encontrei alguns desses e estar com eles é sempre algo que as palavras são incapazes de apreender e fazer apreender. É puro símbolo. Simbologia difícil de ser falada. Por instantes, quando estão mais do que um desses ao meu lado, tenho a certeza de que o céu é a mais pura realidade e acontece ali, exatamente ali, naquele instante que, de tão intenso, torna-se eterno. É tão incrível saber que são assim mesmo: um tesouro pelo qual não batalhei, foi simplesmente encontrado! E o banquete eucarístico, a comunhão, acontece na mesa de um bar, nos bancos de um metrô, com samba rock, em um festival de curtas, de teatro, no santo altar e, também, no seio da Vida. Eles me fazem mais eterna, me ensinam porque o Verbo se fez carne. Pq realmente vale a pena ser carne! Ainda que seja nela que se sofre, é nela também que se ama!! "Pois tal como ele é, assim é seu amigo"(Eclo 6, 17).
quarta-feira, 25 de agosto de 2010
Sobe o som
quarta-feira, 7 de julho de 2010
Pelos olhos teus
- Mas e o rio que você disse cortar a cidade e passar por esse lugar?
- Não dá pra ver porque está escuro.
Estava frio, escuro e o ônibus seguia numa velocidade razoável. O casal de namorados viajara mais de seis horas. Uma pintura. Ela, loira, alta, sem nenhuma medida fora do lugar. Ele não era assim tão chamativo, mas combinava perfeitamente com todo o conjunto da obra.
Chamou a atenção como ela via pelos olhos dele. Aquele que a acompanhava antecipou as visões que ela teria. Por meio da retina dele, que já havia fotografado e registrado o lugar em que estavam agora, ela já tinha ido até lá. E esse processo causou um encanto. Sentimento que pode ser bom ou ruim dependendo do humor que nos tira da cama. Olhar pelos outros olhos e estar onde nunca estivemos, mas estar. Ela conhecia cada canto daquela cidade, sem nunca, jamais, ter saído da própria casa!
- Aquele prédio é o que eu te falei
Ela sorria, como se estivesse atravessando a pracinha do coreto que ficava na cidade em que nascera e crescera. E os olhos dela, na realidade, não fitavam o prédio, ou a avenida, ou o rio. É nele que eles pousavam. Repousavam. Numa espécie de adoração, sem esperar nada em troca. Não se tratava de uma adoração de senhoras que têm certeza de que os joelhos calejados trarão a conversão de um filho ou a cura de um parente. Não, nada disso. A adoração dela dava a ele um poder que nenhum dos outros 34 passageiros poderia ter. E ele, completamente ciente disso, passava os braços pela cintura dela e a protegia, como um deus faria diante das ofertas.
Talvez, ele nem conhecesse tanto a cidade como falara. Era provável que inventasse um ou outro detalhe histórico que nunca foi escrito nos livros, apenas para demonstrar a ela o poder que tinha sobre aquele universo que ela conhecera pelos olhos dele. Enquanto a íris dela estivesse colada nele, nada do que dissesse seria mentira. Os que amam não mentem. Fazem relatos verdadeiros do que existe em uma realidade inventada, apenas para serem olhados como ele era naquele instante.
Desceram no maior terminal rodoviário que ela já vira na vida. Aquela surpresa ela não tinha vislumbrado pelos olhos dele. Houve esse descuido, ele não contou-lhe a respeito do exato momento do desembarque. Por um instante, os olhos dela desprenderam-se daquele que a acompanhava e desfilaram pelas luzes, sons e incontáveis rostos que se encontravam ali naquele lugar enorme que visão alguma poderia apreender completamente. Nesse instante, quem o visse poderia perceber o desespero no olhar por perdê-la da vista.
Para total descontrole dele, os braços dela afrouxaram do abraço dele, encantada, surpreendida pela imensidão que não continha no olhar dele. Ele deixou que o queixo caísse. Sabia que se não reagisse em segundos, em um simples reflexo impensado a perderia ali mesmo. Então, apelou para a sobrevivência.
- Olha ali, aquele doce que você adora!
Ela saiu de uma espécie de transe. Esteve em um território que os olhos dele não penetraram. Mas encantou-se com aquele que a conhecia e sentiu-se invadida por um calor aconchegante que espantava qualquer vazio escuro, vãos que olhares desconhecidos deixaram ao encarar-lhe. Sorriu e puxou o braço dele como menina em direção à tenda que vendia os doces. Olhou-o novamente com admiração e adoração fiel. Ele estufou o peito e sorriu. Ela sorriu-lhe de volta. Tudo estava sob controle novamente.
sexta-feira, 2 de julho de 2010
Jogo das perguntas ou há um tempo pra cada coisa
Caso ou compro uma bicicleta? Fico ou chuto o pau da barraca? Vou ou permaneço? Permanência ou veemência? Abandono ou garra? Providência ou previdência? Confio ou enfio o peito? Haiti ou casa? Vida nova ou renovar essa mesma vida? Ressurreição ou a vitória da cruz? Renúncia ou acolhimento? Cotidiano ou incertezas? Perder? Ganhar? Ir? Ficar? Esquecer? Cabem mais dúvidas? As certezas são mesmo certezas? Eu preciso delas? Eu preciso? Precisam de mim? Alguém precisa de alguma coisa? Ser ou não ser?
Era pra ser pergunta, mas eu sou uma pergunta, como diria Clarice Lispector. Não quero encontrar as respostas. Minha única Resposta tem nome, endereço, história e transcendência. E é a única que busco, que desejo, que anseio e na qual confio, me confio. Se os pontos de interrogação tomam conta, naturalmente eu deveria estar perdida. Não estou. Dentro, apenas alegria e paz. Isso tb é interrogação! Só sei que ser eu mesma pergunta e resposta é um tanto quanto estranho. Isso tb é pergunta, isso tb é resposta...
Muito mais
(banda Taus)
Não quero ser escrava do que passa
Mas quero ver seu toque em tudo que faça
É o milagre da vida a transformar tudo em poesia
Sei aos teus olhos tem valor o meu pouco
Ganhar ou perder, importa mesmo o meu esforço
E nunca deixar o que é velho me desanimar
Quero buscar, olhar de frente
Ver de verdade o que me faz sofrer
Em tuas mãos me abandonar, em tua vontade descansar
Tua providência me sustentará
O teu amor é o que me aquece a alma
Num inverno um tanto seco, um tempo de espera
Caminhas firme no que há de incerto em mim
Sei enxergas o que há de mais fundo
Teus passos posso ouvir até no escuro
Contrasta em ti a minha palidez
Quero cantar, cantar bem forte
A alegria de te ter em mim
Ter a coragem de olhar além
De sorrir para toda dificuldade
Um novo vento me convida a partir
domingo, 30 de maio de 2010
Nunca para
As dúvidas que tenho são de uma adolescente de 17 anos. A certeza de que tudo está perdido pertence a alguém que viveu mal por mais de 70 décadas. Não tenho mais certezas etárias. Pela manhã, tenho o sono de um recém-nascido que se cansou de vir ao mundo. Se me envolvo no trabalho, a concentração de uma jovem adulta que se encontrou. No fim da tarde, o gosto na boca de quem comeu às pressas a canja dos convalescentes (e a doença é atemporal). As dúvidas do anoitecer são as que me dão a adolescência de volta. Infelizmente, o vigor dessas quase duas décadas não acompanha o corpo. As hipóteses, o que não fui e poderia ter sido, o que sou e poderia não ter sido, são como pequenos seres microscópicos que corroem o que como Penélope teci ao longo dos minutos cronometrados avalizados por um sistema numérico universal. Os ombros estão cansados de bancar escolhas, escolas, escórias. Enquanto isso, Lenine pede paciência, contraditoriamente, dizendo que a vida não para. Quem espera, enquanto o ônibus passa, o metrô se perde, o táxi não estaciona, os minutos não estancam? Alguém, por favor, pare e me dê uma carona!
quarta-feira, 19 de maio de 2010
É possível esquecer?
terça-feira, 11 de maio de 2010
Bobagens vividas, vívidas, escritas
A gente complica tanto a realidade que falá-la, escrevê-la parece sempre aquém do que acontece. E a Clarice nessa busca constante e desesperada pela "coisa". A coisa como a coisa mesmo é. Expressa deixa de ser, se molda à palavra. Bem contraditório: a palavra que possibilita expressão é a mesma que enfraquece e fere de morte a experiência.
Como eu, a expressão é duas. Eu dentro, eu falada e escrita. Sou eu mesma? Essa resposta realmente existe?
Ah, tudo isso pra dizer que estou viva! Lendo a vida da Clarice, escrevendo a minha vida (mesmo que seja em um texto sobre saúde, comportamento ou espiritualidade), lidando com as minhas pressas que não se saciam e desfrutando uma paciência da qual não me lembro ser dona. Com uma saudade cortante de gentes, tempos e de mim mesma. Sim, estou no meio da contradição! Estou quase chamando, na imitação do vozeirão de Dorival Caymmi, o vento. Quero ver resistir!
terça-feira, 4 de maio de 2010
Duas
O céu é tão azul, no entanto. E tem uma espécie de magnetismo. Os meus pés tão fincados no chão. meus frutos, minhas folhas verdinhas. Os frutos que depois vou ver resultado das minhas raízes profundas.
E o céu. Essa imensidão desconhecida. Um desejo de ter a leveza que a árvore não tem. É possível ser assim tão água e óleo na mesma substância? Imiscível, irreconciliável.
O vento faz trabalhos tão diversos sobre penas e folhas... O mesmo vento, eu é que mudo.
terça-feira, 6 de abril de 2010
À Capela
Sabê-los insistentes sobre mim
É ouvir teu coração inquieto
Mesmo que o único som possível
Seja a tua palpável ausência
São teus passos orvalhados
De madrugada no meu quarto
Enquanto persigo um sono resistente
A mim, ao meu sólido cansaço
É esse jogo de ignorância e ciência
Que te faz sorrir triunfante
Pois te busco sem tréguas
É tua teimosia frente ao desânimo
É tua alegria no meu tormento
Por ti, por tudo aquilo que é teu
Tudo aquilo que é seguro
Enquanto não sou capaz de discernir
Entre o que sou eu e o que és em mim
É o desejo cego por tua chama
Capaz de me guiar certeira no escuro
Que é agora a minha alma
Sombria, desolada, de gelo
O amor no que tem de bruteza
Que lapida o que de mim é ainda terra
E torna em ti, amor que é homem
Que deseja, rouba, devora e, incansável, gera
* escrito em novembro de um ano pilão
De água
Sabor é outra palavra com poder de sensação. Misturam-se hidro e sabor. Sou água, sou sal. Sou o que o Mar fez de mim. Incansável hidro que bate. Leve, com espuma. Brava, com espuma. Sem espuma. De repente, sou puro espumante!
sexta-feira, 26 de março de 2010
Bem fininho
O receio é que dissolva na boca e não chegue ao estômago, não sustente. Seja só esse gosto saboroso, delicado e colorido. Fecho os olhos, olhar é um peso que pode estragar tudo. Quando se cerram as cortinas para o público, é possível vislumbrar realidades invisíveis: como a finura do papel de arroz da minha felicidade com sua cores gritantes e sussurrantes. Não fecho os ouvidos porque são inclementes, não têm portas automáticas como o olhar. Se pudesse cerrá-los naturalmente como faço com a visão, faria. Isso porque é tão delicada a minha felicidade sobre o bolo que tenho receio de maculá-la com o que vem de fora de mim. Têm coisas boas e ruins que vem de fora de mim, mas sou bruta demais para saber o que fere de morte ou potencializa a fina camada da minha feliz folha de papel de arroz colorida e colorante.
Por isso, é difícil lembrar que fui feliz quando se apagam as luzes do palco: é tão fina a camada sobre uma montanha de ingredientes que é complexo recordá-la. Lembro dos ovos, da farinha, do leite, dos lugares, pessoas, carros, estradas, fermento, cacau. Mas a folha de espessura sem camadas é tão sutil e sem gosto definido que é quase impossível (muitas vezes, não existe o quase) saber que um dia ela existiu. Na dor, só me lembro que não sei fazer bolos, ainda que seja só seguir a receita ou abrir uma caixa vendida em diferentes prateleiras. Não sou capaz de imprimir cores nem produzir algo tão fino e delicado quanto o papel de arroz colorido que se derrete ao mínimo contato com o meu eu interior. Quando tudo está escuro e não há mais sons, penso apenas que nunca mais verei novamente o que me traz a sensação de suspenso que sustenta a vida. Penso que morro. Até que surjam impressas novas imagens e cores em um papel arroz fininho e delicado que mostra a felicidade. Degusto. Mas não tem gosto. Só o sabor da mistura e as cores da vida.
sexta-feira, 5 de março de 2010
Da volta
Piso o chão que é meu. Que me foi dado. Não, não. Não é meu. Nunca será. Mas é onde eu sou agora. Sinto embaixo dos meus pés a textura familiar, o geladinho bom dos azulejos que não são azuis, mas justificam o nome pela impressão que sempre me imprimem. Fecho os olhos para perceber os cheiros (são meus!!). Senti saudades. Sinto saudades de outros grãos que pisei fora daqui. Mas é esse o lugar que sou agora. E, enquanto não era aqui, não fui integralmente. Deixei alguns pedaços em lugares que não queria. Escondi grandes nacos de mim em terras que desejo. Nunca mais vou ser inteira aqui, no lugar em que hj repousam tranquilamente minhas costelas. Sem essa câmara que me contém, no entanto, também não seria. Volto mais completa, completamente contraditória, contraditoriamente completa.
terça-feira, 16 de fevereiro de 2010
E aqui tudo é música
Eu sempre gostei de viajar. E não se trata apenas de distração. Viajar é absorver culturas. É aprender que os cariocas são muito gente boa e viciados em Guaravita. É apreender mais um pouquinho da personalidade de pessoas queridas que nos recebem nessas rodoviárias, aeroportos e, pq não, portos e pontos da vida.
To aqui lembrando de uma música da Maria Gadu, enquanto espero o ônibus que vai me levar ao encontro de mais um personagem da minha história escrita com o maior requinte de amor pelo autor mais talentoso de todos. E a música diz assim: "o apego não quer ir embora. Diacho, ele tem que querer". É ele tem que querer, mas não quer. E vai colando teias em cada lugar que se instalou dentro de mim. Difícil de soltar!