domingo, 30 de maio de 2010

Nunca para

As dúvidas que tenho são de uma adolescente de 17 anos. A certeza de que tudo está perdido pertence a alguém que viveu mal por mais de 70 décadas. Não tenho mais certezas etárias. Pela manhã, tenho o sono de um recém-nascido que se cansou de vir ao mundo. Se me envolvo no trabalho, a concentração de uma jovem adulta que se encontrou. No fim da tarde, o gosto na boca de quem comeu às pressas a canja dos convalescentes (e a doença é atemporal). As dúvidas do anoitecer são as que me dão a adolescência de volta. Infelizmente, o vigor dessas quase duas décadas não acompanha o corpo. As hipóteses, o que não fui e poderia ter sido, o que sou e poderia não ter sido, são como pequenos seres microscópicos que corroem o que como Penélope teci ao longo dos minutos cronometrados avalizados por um sistema numérico universal. Os ombros estão cansados de bancar escolhas, escolas, escórias. Enquanto isso, Lenine pede paciência, contraditoriamente, dizendo que a vida não para. Quem espera, enquanto o ônibus passa, o metrô se perde, o táxi não estaciona, os minutos não estancam? Alguém, por favor, pare e me dê uma carona!

quarta-feira, 19 de maio de 2010

É possível esquecer?

De repente, mas em um processo que se arrasta silencioso pelos sulcos do meu dentro, as dores do mundo começaram a doer em mim como um espinho. Posso dizer, como o apóstolo Paulo, que existe um espinho na minha carne, encravado, silencioso, provocativo. Não sei se peço, insistentemente, ao Senhor que o arranque de mim. Também não sei se a graça de Deus me basta para carregar esse fardo. É realmente leve esse peso quando se vive em um mundo doente?

terça-feira, 11 de maio de 2010

Bobagens vividas, vívidas, escritas

Eu precisava ler mais. Bem mais. Acho que assim também seria capaz de escrever mais. A leitura atual é uma biografia da Clarice Lispector, escrita por Benjamin Moser. Ela fala de um jeito tão simples sobre escrever que parace a literatura uma forma de respirar da qual todos são capazes.
A gente complica tanto a realidade que falá-la, escrevê-la parece sempre aquém do que acontece. E a Clarice nessa busca constante e desesperada pela "coisa". A coisa como a coisa mesmo é. Expressa deixa de ser, se molda à palavra. Bem contraditório: a palavra que possibilita expressão é a mesma que enfraquece e fere de morte a experiência.
Como eu, a expressão é duas. Eu dentro, eu falada e escrita. Sou eu mesma? Essa resposta realmente existe?
Ah, tudo isso pra dizer que estou viva! Lendo a vida da Clarice, escrevendo a minha vida (mesmo que seja em um texto sobre saúde, comportamento ou espiritualidade), lidando com as minhas pressas que não se saciam e desfrutando uma paciência da qual não me lembro ser dona. Com uma saudade cortante de gentes, tempos e de mim mesma. Sim, estou no meio da contradição! Estou quase chamando, na imitação do vozeirão de Dorival Caymmi, o vento. Quero ver resistir!

terça-feira, 4 de maio de 2010

Duas

Tenho andado tempo demais com os pés plantados no chão. O contato com a terra faz fincar raízes, crescer e se estender. Faz brotar flores e, posteriormente, sementes.
O céu é tão azul, no entanto. E tem uma espécie de magnetismo. Os meus pés tão fincados no chão. meus frutos, minhas folhas verdinhas. Os frutos que depois vou ver resultado das minhas raízes profundas.
E o céu. Essa imensidão desconhecida. Um desejo de ter a leveza que a árvore não tem. É possível ser assim tão água e óleo na mesma substância? Imiscível, irreconciliável.
O vento faz trabalhos tão diversos sobre penas e folhas... O mesmo vento, eu é que mudo.