quarta-feira, 28 de maio de 2008

Metamorfose

Como a gente muda... As prioridades de ontem são meros acréscimos de hoje. O que era detalhe no ano passado, hoje pode fazer toda a diferença do mundo. A grandeza da vida consiste também nisso: o inimigo da infância pode ser o melhor amigo atual, o colega de sala do colegial pode se tornar, do nada, uma pessoa importante, o sagrado de ontem é o pecado mais repugnante de hoje e o impensável há seis meses presente agora.
Me encanta o ser humano e sua capacidade de mudar. Tenho medo de pessoas que não mudam. Tenho terror dos que são avessos às transformações. Não tenho receio de perceber em mim mudanças escabrosas. Não suporto incoerência, é bem verdade. Mas pra mudar não precisamos da incoerência...
Aliás, primeiro preciso definir bem a coerência, não é mesmo? Para mim, ser coerente é agüentar o discurso até o último suspiro (pode ser confundido facilmente com ser cabeça-dura). Mas ainda tento entender por qual discurso estou disposta a dar o último suspiro. Estou compreendendo com custo que promover o ser humano é a maior coerência. Que o grande segredo de uma existência sã é amar e, no amor, fazer o que se quer (entenda amor como algo muito maior do que apenas sentimento. Falo de um amor puro, um amor universal, que se doa completamente).
Eu já fui muito incoerente. Sou todos os dias. Mas minhas incoerências têm sido fruto de um processo. Respeitar as incoerências alheias faz parte desse processo.
Pessoas que amo e com quem convivo, estou tentando acolher as incoerências de vocês. É uma violência comigo, me entendam. Por favor, me amem o suficiente para suportar as minhas próprias incoerências. Sou assim mesmo: completamente inacabada. Essa é também uma grandeza da vida.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Uma tragédia e uma comédia

*Texto de Mino Carta publicado na edição on line da Carta Capital, dia 11 de maio

Que levaria o pistoleiro paraense Rayfran das Neves Sales, vulgo Fogoió, a assassinar a missionária americana Dorothy Stang com seis tiros de boa pontaria, em Anapu, a 600 quilômetros de Belém, em fevereiro de 2005? Fervor antiamericanista? Defesa da paz social ameaçada na região por uma revolucionária de 74 anos disposta a incentivar invasões de propriedades privadas? Condenado no primeiro processo, Fogoió fora sentenciado a 27 anos de prisão. Na terça 6 de maio, sua pena foi aumentada para 28 anos pela 2ª Vara do Júri de Belém. Fez jus ao segundo julgamento por ter sofrido pena superior a 20 anos. Em compensação, o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, vulgo Bida, acusado de ser mandante do crime e condenado a 30 anos de reclusão no primeiro processo, desta vez foi absolvido por 5 votos a 2. Simples como a invenção da água quente. Fogoió, que acusara Bida como autor de oferta irrecusável para executar a missionária, retratou-se agora com candura ímpar. E ao sair do tribunal Bida foi festejado por parentes, amigos e pares, donos de terras imensas de origem duvidosa. Só faltou ser levado em triunfo como herói de guerra contra a subversão, diante do atroz espanto do irmão de Dorothy, que veio dos EUA para assistir ao julgamento. Não contava com as surpresas dos trópicos. Este trágico enredo faz pensar em outro, infinitamente menos importante e, ao certo, inclinado à comédia. Os travestis que na semana passada participaram de empolgante aventura, a par de surpreendente, em companhia e por solicitação de Ronaldo, vulgo Fenômeno, imitaram Fogoió e se retrataram. E com igual candura, anunciaram, a bem do futebol nativo e mundial, que na festa supostamente brava não rolou sexo e tampouco droga. No caso, só faltou dizer que se reuniram para elevar preces ao Deus de Kaká.