sexta-feira, 5 de março de 2010

Da volta

A gente nunca entra pela porta da mesma maneira que saiu. Não há meios de permanecer quando existe uma porta em si mesmo escancarada. Escancarada não. Basta uma fresta. É possível que inúmeros ou apenas um passe por ali e arme um desarranjo interior. E aí que a gente nunca atravessa o umbral de volta com a mesma bagagem. Pera lá, por fora não muda nada. Às vezes, um pouco mais de melanina ou menos gordura (ou menos ou mais). Mas, ainda que visivelmente oculto, lá dentro há o pequeno furo, um fio talhado no estilete ou uma onda gigantesca que ondeou tudo. É possível que ninguém veja. Se existe em si, no entanto, a coragem de enxergar o avesso, vai perceber que cruzou a porta diferente na volta. E, sem dúvidas, há sempre sementes. Que devem germinar. Se não forem comidas pelos pardais paradoxos que viviam no forro. Se germinarem, podem ser sufocadas pelos espinhos que foram podados antes de partir. Pode ser que as sementes também morram queimadas pela fricção do cotidiano. Há que se brotar alguma, sim. Ah, há. Se houve vida, há que se videar. Há que se libertar e livrar. Nenhuma mala carregada volta como foi. Se voltar assim, nem servia para ter ido.
Piso o chão que é meu. Que me foi dado. Não, não. Não é meu. Nunca será. Mas é onde eu sou agora. Sinto embaixo dos meus pés a textura familiar, o geladinho bom dos azulejos que não são azuis, mas justificam o nome pela impressão que sempre me imprimem. Fecho os olhos para perceber os cheiros (são meus!!). Senti saudades. Sinto saudades de outros grãos que pisei fora daqui. Mas é esse o lugar que sou agora. E, enquanto não era aqui, não fui integralmente. Deixei alguns pedaços em lugares que não queria. Escondi grandes nacos de mim em terras que desejo. Nunca mais vou ser inteira aqui, no lugar em que hj repousam tranquilamente minhas costelas. Sem essa câmara que me contém, no entanto, também não seria. Volto mais completa, completamente contraditória, contraditoriamente completa.

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