quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Visita

É difícil a gente reconhecer algumas coisas quando elas são invisíveis a esses olhos que enxergam por fora. Escrevo constantemente (é meu ofício) sobre felicidade. Os profissionais dão dicas, identificam-se as causas, fala-se da importância de ser feliz, como a felicidade está nas pequenas coisas. Não há espaço para a Irmã Tristeza (permita-me, minha cara, chamá-la assim, como São Francisco faria) na sociedade na qual estou, para qual acordo todos os dias, com a qual tenho de lidar dia após dia.
Hj, uma amiga me perguntou pq ando quieta, sumida. Eu respondi, simplesmente: “estou triste”. Só isso. E, quando li minha resposta, tive pena de mim. Como se estar triste fosse pior do que passar fome, pior do que ser viciada em substâncias químicas, pior do que ser desprezada, esquecida, marginalizada, não ter onde dormir. Como se eu fosse uma completa herege.
Irmã Tristeza está tão hostilizada atualmente. Não tem lugar pra ela. Fiquei pensando nisso. Há meses, resisto firmemente em escrever ou dizer essa simples frase: “estou triste”. E só quando assumi percebi que isso é completamente libertador.
Por favor, não me consolem. Não digam que vai passar. Muito menos, que eu não tenho motivos para estar triste, que tenho tudo, que trabalho, que tenho saúde. Eu sei disso tudo e deve ser por isso que resisto tanto em dizer: “Irmã Tristeza, pode entrar. Se aconchegue, estou preparando um lugar decente para que descanse já que faz tempo que não é bem recebida por aqui. Quer um chá? Não quer tirar os sapatos? Fique o quanto quiser, desde que me deixe respirar por alguns períodos, pois sou feita de vc, mas a Irmã Alegria também precisa chegar de vez em quando.”
Por favor, me deem licença para estar triste. Mas não me abandonem na minha tristeza. Permaneçam por perto quando eu precisar de um silêncio familiar ou apenas de um olhar que me garanta que a Irmã Tristeza não gosta de morar pra sempre em uma mesma casa. Pra que eu tenha com quem sorrir ou gargalhar, mesmo que a Irmã Tristeza se ressinta um pouco com esses gestos tão cotidianos.
E ela está deitada no sofá. Quer dormir, exausta. Mas eu a incomodei tanto que não conseguiu pregar os olhos. Primeiro eu tentei bater a porta na cara dela. Quando ela pulou a janela e conseguiu entrar, tentei impedi-la de se estabelecer. Falei, sorri forçado, sai de casa e fiz barulho pra ver se ela desistia de se sentar. Não adiantou. Aí, comecei a pedir que outras pessoas a incomodassem por mim, que dissessem a ela que não era bom que ficasse: desfilaram pela sala um psiquiatra e psicanalista, vários amigos, freiras, padres, poetas, escritores... Não adiantou. Aliás, os escritores e poetas ficaram amigos dela e engataram um assunto sem fim, ainda estavam até agora pouco trocando causos entre si.
Então, hj, quando eu disse: “estou triste”, foi como se eu dissesse “tudo bem, Irmã Tristeza, estou tão exausta quanto vc. Deixo que vc descanse pq eu também preciso de descanso”.
Ela está cochilando. Acho que vai ficar um tempo por aqui ainda. Estou procurando um ventilador pra garantir a ela um sono mais tranqüilo. Os poetas e escritores estão um pouco chateados pq o sono da danada interrompeu um papo bom. Agora, eles conversam comigo.

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