segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Companhia


Cansou de tanto ver e sentou-se em um galho baixo. Analisou os entornos, olhou com o olho da direita, viu com o da esquerda. Percebeu minha presença a menos de três metros dele. Entortou a cabeça branca, preta, branca, cocuruto preto. Limpou cada uma das pequenas penas amarelas do peito. Me olhou com os dois olhos mais uma vez, passou para as penas maiores. Coçou com a patinha de forca a cabeça desconfiada. Penas das asas. Dentro e fora, da raiz às pontas. Ouviu os amigos que viam. Emudeceu. Cansado de tanto ver. Amuou-se com suas penas no galho. Acostumou-se com a minha presença. Cochilou. Uma confiança que os bichos, todos gordos, tanajurados, estavam aí disponíveis. Que as companheiras estavam a bater as asas por aí e que há árvores e postes aos montes para que se façam ninhos. As peninhas arrepiadas, o corpinho encolhido. Não fosse a faixa negra na altura dos olhos, eu teria certeza absoluta que dorme. “Olhai e vede as aves nos galhos”. Quietinho. Cansou de tanto ver? Alguém grita lá longe. Ele cresce. Estufa o peito, bate as asas no lugar e mostra a potência criadora de que é feito – bem-te-vi – e voa. Às vezes, é preciso amuar-se com as penas nos galhos para que a potência criadora devolva o poder de ver, a intensidade do canto. E as asas.

Um comentário:

Carol Gioseffi disse...

Nossa! Que lindo esses dizeres...
Estou pasma de tanta sensibilidade. Parabéns.
Recebi um link para o seu blog pelo twitter, e não me arrependi de clicar!
Abraços,
Caroline Gioseffi